Supersalários de juízes | Judiciário precisa ser coerente com os princípios que embasam o conceito de justiça

Esta semana o Brasil foi surpreendido com a notícia de que pelo menos 8.226 juízes receberam mais de R$ 100 mil por mês entre setembro de 2017 e abril de 2020. Ao longo de 32 meses, cada um destes magistrados amealhou uma fortuna mínima de R$ 3,2 milhões, num período em que o Brasil viu dispararem os índices de desemprego, de concentração de riqueza e disparidade de renda.

O teto salarial definido constitucionalmente é de R$ 39,3 mil, mas a reportagem da Folha de São Paulo indica que o conceito de “teto” parece não ter o mesmo significado para algumas categorias de agentes públicos.

A Folha levantou e analisou dados dos 27 tribunais de Justiça dos estados, de 5 tribunais federais, de 24 cortes trabalhistas, de 3 tribunais militares estaduais e dos tribunais superiores. A Justiça Eleitoral ficou de fora do levantamento. O jornal apurou que 95,79% dos magistrados receberam pelo menos uma vez salários superiores ao teto.

“Os salários acima do teto são mais recorrentes em tribunais estaduais. Apesar da Constituição determinar um valor máximo para os salários dos magistrados, são somados aos montantes recebidos os auxílios, verbas indenizatórias e vantagens eventuais, com 13° e acúmulo de funções que explicam os supersalários dos juízes”, diz o site Congresso em Foco, referindo-se à matéria da Folha.

Servidores penalizados

Por outro lado, servidores públicos viram o Congresso Nacional aprovar, há poucas semanas, a proibição dos reajustes salariais até o final de 2021, uma medida que também é consagrada pela Constituição Federal, solenemente ignorada na nova regra que, na prática, é um confisco do salário de trabalhadores e trabalhadoras.

Pior: a maioria dos grandes meios de comunicação faz campanha sistemática para demonizar os servidores públicos, como se estes fossem responsáveis pela situação de penúria que o Brasil enfrenta.

Temas como a sonegação, que consumiu 13,4% do PIB brasileiro em 2011, segundo dados da Tax Justice Network, não recebem a mínima atenção da grande mídia. O mesmo vale para a urgente auditoria da dívida pública, outro instrumento previsto pela Constituição de 1988 que nunca saiu do papel. Enquanto isso, essa dívida consumirá 45% de todo o orçamento da União em 2020.

Legalidade x Justiça

Os supersalários de parte dos magistrados brasileiros foram pagos através de brechas no texto infraconstitucional, mas constituem um ato jurídico revestido de legalidade. A pergunta é: esses pagamentos obedeceram aos princípios eu guiam – ou deveriam guiar – a Justiça no seu exercício enquanto poder público?

O teórico William Frankena, em sua clássica obra “Ética”, diz que a justiça “trata as pessoas de acordo com suas necessidades, suas capacidades ou tomando em consideração tanto umas quanto outras”. Muitos outros renomados intelectuais que são referências na formação das escolas de Direito no Brasil e no mundo desenvolveram postulados semelhantes.

Será que esse critério foi observado no pagamento dos salários aos “marajás”, para usar um termo muito comum nas décadas de 1980 e 1990?

E o que justifica, do ponto de vista ético e considerando a situação socioeconômica do Brasil, a existência de tais brechas na legislação que permitem continuar existindo tais proventos que superam a casa de um milhão de reais a cada ano?

São perguntas que o Judiciário deveria responder e que a sociedade deveria questionar com mais ênfase, tarefa para a qual a Fenajud está à disposição para contribuir.

 

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