Teletrabalho, direito à desconexão e sobre-exploração: algumas questões ignoradas

Num momento em que três quartos da população estão ou passaram por alguma medida de quarentena ou isolamento social, emerge com força o debate sobre temas como o teletrabalho e todas as implicações que esta modalidade laboral traz consigo.

Seja no âmbito dos meios de comunicação, seja nas redes sociais, mas também e sobretudo no seio da sociedade e seus espaços de organização, como os sindicatos e associações de classe, esse é um assunto candente. Em razão disso, ele precisa ser abordado em todas as suas dimensões, sob risco de serem amplamente disseminadas visões superficiais ou abordagens interessadas em um único aspecto do desafio que a questão representa para o mundo contemporâneo.

Se é verdade que as novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) abrem um sem número de possibilidades interessantes com relação a produtividade, agilidade e rapidez, redução de custos, transparência e outros, é igualmente real o conjunto de problemas que, por exemplo, a falta de regulamentação do teletrabalho pode acarretar às pessoas.

A Fenajud se preocupa com esse tema e, para não nos alongarmos muito nesse texto, foquemo-nos em apenas quatro destes problemas que consideramos centrais.

Direito à desconexão

Com várias brechas na legislação sobre o teletrabalho no Brasil e no mundo, o conceito de direito à desconexão digital tem se desenvolvido cada vez mais. Ele parte da premissa – tão óbvia quanto desrespeitada na realidade cotidiana – de que trabalhadores e trabalhadoras não podem estar permanentemente disponíveis para, fora do horário padrão, realizar tarefas do seu ofício através de meios digitais.

Quem trabalha precisa conhecer os seus horários de trabalho e de folga e estes precisam ser devidamente respeitados por patrões e superiores hierárquicos. Esse princípio ganha ainda mais peso num cenário de quarentena longa, no qual a maioria da população transformou a sua casa no seu escritório virtual. Como remediar isso? Com uma legislação clara e uma cultura de respeito a ela.

Custos embutidos

É justo que, no âmbito do serviço público ou na iniciativa privada, os custos gerados pelo escritório virtual – no lar ou em qualquer outro espaço – sejam absorvidos integralmente pelos funcionários?

O peso que os gastos com energia elétrica, equipamento, acesso à Internet, entre outros elementos, representam para as pessoas não podem ser ignorados e muito menos confundidos como um custo pré-existente para que se justifique a sua exclusão dos encargos pertinentes aos empregadores.

Na ausência de legislação, a relação patrão-empregado torna-se amplamente desfavorável para o segundo, notadamente num contexto de crise econômica aguda e prolongada que assola boa parte do planeta na atualidade.

Gênero

Num país como o Brasil, onde a divisão do trabalho doméstico sobrecarrega as mulheres e lhes impõe uma série de desvantagens em relação aos homens, o teletrabalho pode acentuar esse quadro se não for regulamentado de forma que considere também este fator.

Durante a presente pandemia do coronavírus, os relatos que apontam sobrecarga laboral das mulheres que vivem com crianças em casa são abundantes. Tal fenômeno é agravado com o aumento do número de denúncias de violência doméstica.

O que fazer, para citar uma situação bastante comum, quando uma família possui apenas um computador em casa e dois adultos precisam utilizá-lo para trabalhar? Isso não necessariamente pode ser resolvido através de leis, mas reforça a necessidade de se levar em conta as desigualdades de gênero na elaboração de normas que regulamentem o trabalho à distância.

Sobre-exploração

Já existem evidências suficientes que demonstram o vínculo direto entre a Síndrome de Burnout – distúrbio psíquico marcado pelo esgotamento físico e mental – e o teletrabalho nos tempos recentes. Tal distúrbio, antes associado a profissões ou funções específicas, hoje tem se verificado cada vez mais comum no universo de pessoas que costumam exercer a modalidade do trabalho remoto.

Por trás de alguns discursos ufanistas que exaltam de forma acrítica os benefícios do “home working”, escondem-se todos os problemas, complexos e gravíssimos, resultantes desse tipo de labor. Entretanto, muitas vezes está igualmente oculto o objetivo de se explorar o máximo possível a energia de trabalhadores e trabalhadoras e dela se extrair mais lucro. A saúde, para os defensores incondicionais do teletrabalho propiciado pelas TICs, não é um fator relevante a se levar em conta. E essa conta, afinal, sabemos quem sempre paga.

 

 

 

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