Com auditório lotado, o Fórum Social Mundial Justiça e Democracia recebeu cinco personalidades conhecidas no cenário nacional por suas histórias, que foram impactadas por injustiças. A mesa “Vítimas do Sistema de Justiça”, aconteceu nesta quarta-feira (27), na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS), em Porto Alegre, e contou com a presença de da advogada indígena, Fernanda Kaingang; da advogada e mãe de Marielle Franco, Marinete Franco; de Ana Paula Oliveira, do Coletivo mães de Manguinhos; do jornalista Luis Nassif; e da ex-presidenta Dilma Rousseff. A mediação foi feita pela integrante da Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e do Comitê Facilitador do FSMJD, Tânia Oliveira.
A Fenajud (Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário nos Estados) acompanhou a mesa e esteve representada pelos coordenadores-gerais, Alexandre Santos e Arlete Rogoginski; da coordenadora de Gênero, Etnia e Geracional, Ana Carolina Lobo; da coordenadora de Saúde dos Trabalhadores e Previdência, Carolina Costa; do coordenador de Política Sindical e Relações Internacionais, Ednaldo Martins; Coordenação Regional Sul, Emanuel Dall’Bello. Os sindicatos de base, Sindjud-PE, Sindjustiça-RN, Sinsjusto, Sinjusc, Sindijus-PR, Sindijus-SE e Sindjus-RS, também acompanharam o debate.
A primeira fala da noite foi de Ana Paula Oliveira. Moradora favela de Manguinhos, na zona norte do Rio, ela é mãe de Johnatha Oliveira, assassinado em 2014, aos 19 anos de idade, com um tiro nas costas disparado por um policial militar. Junto com outras mães de sua comunidade, formou o coletivo Mães de Manguinhos, para denunciar a violência policial, a impunidade e protestar por justiça. Ana Paula levou para o palco um cartaz com fotos de jovens, todos assassinados por policiais, da favela onde reside. A jovem mãe denunciou que os casos nunca são investigados e os responsáveis nunca são punidos.
Em seguida foi a vez de Marinete Silva, mãe da vereadora Marielle Franco, apresentar a injustiça sofrida em sua casa. Militante dos direitos humanos que enfrentava o poder das milícias na periferia, a carioca foi assassinada em março de 2018. Para a advogada, a sociedade “vive num sistema de justiça que não condiz com o que a gente precisa, que não é para o negro, para mulher, para LGBT”. Ela destacou que a morte de sua filha foi como um divisor de águas, um marco, que fez de Marielle um símbolo de resistência e para mobilizar a revolta e fazer com que as pessoas se posicionassem. Apesar de dois dos envolvidos na morte de Marielle terem sido presos, o caso não foi resolvido.
O jornalista Luis Nassif, que também é uma vítima do sistema de Justiça, contou ao público sobre os ataques e as tentativas de cerceamento de sua atividade profissional. Em razão de reportagens que denunciavam escândalos envolvendo personagens poderosos, sofreu condenações, teve matérias censuradas, contas e bens bloqueados. Entretanto, pontuou, essas punições materiais nada significam perto das violências sofridas por suas colegas de mesa. “Isso é briga de brancos”, destacou, marcando a diferença de tratamento em relação à cor, classe e gênero. “Daqui para frente teremos que pensar em um outro patamar de direitos”, disse. Para Nassif, esta transformação exige uma radicalização, um necessário aprofundamento da democracia, com participação social em todas as políticas públicas.
Fernanda Kaingang, a primeira advogada indígena do Sul do Brasil e do povo Kaingang, que está há seis meses refugiada, esteve no Fórum para denunciar o genocídio indígena e os diversos tipos de violência institucional contra seu povo. A indígena destacou o abandono, a eliminação e invisibilização da cultura indígena e a permissividade do atual governo em relação a ataques de madeireiros, ruralistas e garimpeiros a comunidades tradicionais. “Onde está o espaço dos indígenas em 2022? Nossa diversidade tem sido deixada para trás, no sistema de justiça e fora dele”, apontou.
Por último, mas não menos importante foi a vez da fala da ex-presidenta Dilma Rousseff. Ela citou a importância da resistência e da luta política. Dilma ressaltou que, a partir do golpe, houve uma onda conservadora neoliberal e neofascista. Para ela, “Com o processo eleitoral de 2022 está aberta uma alternativa no campo popular. Precisa de cada um de nós, da organização e participação de todas as pessoas. Não há condição de nós termos um processo de transformação desse país que tem um orçamento secreto controlado pelo centrão, é ingovernável. Precisamos interromper a emenda do teto de gastos. Porque se não interromper o teto de gastos eu quero ver como nós fazemos política social, como recupera as universidades, como retoma as obras de infraestrutura”, questionou.
Ela citou ainda o processo de impeachment, “A construção do golpe se deu no Congresso, na mídia, em segmentos do Judiciário e no mercado financeiro. Compartilhavam os interesses dos derrotados nas urnas e agiam em sincronia para inviabilizar o governo, sem que houvesse crime de responsabilidade que justificasse tal decisão. […] A justiça, ela necessariamente, é uma relação muito estreita com a política. Elas são intimamente ligadas. […]Nós fizemos a Justiça em relação à ditadura de 64 atrasados. Nós perdemos o tempo histórico, quando nós fomos fazer durante o meu governo, onde foi aprovado a Comissão da Verdade, que é uma pálida retomada do direito à verdade histórica que o país tem. O direito à verdade não pode ser só conhecer, tem que fazer a justiça de transição. Nós não fizemos e hoje pagamos o preço por não ter feito. Por isso eu digo que a Justiça que tarda, falha”, explicou.
Dilma falou sobre o caráter estrutural da desigualdade que condena o Brasil a sempre estar aquém do seu potencial. “O caráter social da desigualdade que divide riqueza e pobreza é mesclado com a questão racial, com a questão de ser negro e pobre. A escravidão é responsável pelo neofascismo brasileiro, pela violência, pelo ódio, pelas formas sociais de controle, assassinatos e mortes. E isso nós temos que encarar: a questão nacional do Brasil está ligada à escravidão e ao colonialismo”, definiu.
Confira a mesa, aqui:
O FSM
O Fórum Social das Resistências (FSR) e o Fórum Social Mundial Justiça (FSMJD) iniciaram nesta terça-feira (26), em Porto Alegre, com a marcha de abertura. Os dois eventos contam com atividades presenciais e híbridas. Centenas de debates vão ocorrer até o sábado (30), quando acontece a plenária de encerramento que organizará um documento preparatório para o Fórum Social Mundial que será realizado no México entre os dias 1º e 6 de maio.
Com informações do Sindjus-RS