Elas dedicam o dobro do tempo aos cuidados domésticos, segundo o IBGE. No Poder Judiciário, essa sobrecarga também se manifesta
O trabalho de cuidado e as tarefas domésticas ainda recaem, de forma desproporcional, sobre as mulheres no Brasil. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2022, mostram que elas dedicam em média, 21,3 horas semanais a essas atividades, quase o dobro do tempo dos homens, que gastam apenas 11,7 horas. A desigualdade se agrava entre mulheres negras: pretas ou pardas chegam a gastar 1,6 hora a mais do que as brancas nesses afazeres, diferença que tem aumentado desde 2016, início da série histórica do IBGE. E a FENAJUD – Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário nos Estados, neste 8 de março, reforça a necessidade de debater o tema.
A sobrecarga do cuidado acompanha as mulheres ao longo de toda a vida e se manifesta de diversas formas, como por exemplo: mesmo após a separação, muitas ainda assumem a responsabilidade de cuidar de ex-parceiros doentes, enquanto, na mesma situação, são frequentemente abandonadas. Ou mesmo quando os pais envelhecem e necessitam de assistência, a sociedade geralmente delega essa função às filhas, enquanto os irmãos homens, na maioria das vezes, são poupados dessa responsabilidade.
A Fenajud ouviu Ivaneide Matos, que é responsável pelo cuidado com a mãe idosa há pelo menos 20 anos. Ela aponta que, “Os homens seguem a vida deles normalmente, enquanto a mulher fica por conta desse cuidado. É prazeroso, porque você sabe que está cuidando, que está ali presente, mas, ao mesmo tempo, é inquietante e cansativo. Eu tenho irmãos, mas essa responsabilidade fica só para mim. O irmão homem, às vezes, nem quer saber. Ele quer saber que a mãe está viva, que ela está ali, mas de cuidado mesmo, não. Eles não sabem que remédio ela toma, nem os horários certos. Se perguntar, eles não vão saber responder. A sociedade precisa enxergar mais as mulheres, porque a sobrecarga está sempre nelas. Enquanto os homens têm mais liberdade, as mulheres assumem tudo. A gente precisa de um olhar maior para essa questão, para que o cuidado não seja sempre uma obrigação feminina”, ressalta.
Também é comum atribuir exclusivamente a elas o cuidado materno. Uma pesquisa Datafolha divulgada pela Folha de S.Paulo aponta ainda que 69% dos brasileiros acreditam que as mulheres devem ser as principais cuidadoras de filhos recém-nascidos. Mas o cuidado com os filhos não se encerra na infância, e muitas mães continuam sendo as principais responsáveis por filhos adultos, mesmo depois dos 40 anos. Essa cultura reforça a ideia de que a cultura do cuidado é associada às mulheres, e se mantém enraizada na sociedade, dificultando uma divisão mais equilibrada das responsabilidades domésticas e familiares.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), as mais pobres são ainda mais impactadas por essa desigualdade. Aquelas que vivem em lares com até um quarto de salário-mínimo por pessoa chegam a dedicar mais de 25 horas semanais ao trabalho doméstico não remunerado, enquanto as mais ricas, que vivem em domicílios com renda superior a 8 salários-mínimos per capita, gastam entre 13,8 e 15,5 horas. Entre os homens, essa diferença é muito menor, variando entre 3 e 4 horas semanais, o que reforça a disparidade de gênero na divisão do trabalho.
No Judiciário
No Poder Judiciário, essa sobrecarga também se manifesta. Muitas trabalhadoras do setor público precisam equilibrar as longas jornadas profissionais, as metas exorbitantes, os assédios no ambiente de trabalho, com a responsabilidade pelos filhos, o cuidado com familiares e a administração da casa. Essa carga excessiva, segundo especialistas em saúde mental, impacta a saúde, o bem-estar e até as possibilidades de ascensão na carreira, já que muitas mulheres enfrentam barreiras adicionais para ocupar espaços de poder. Enquanto os homens são historicamente vistos como provedores financeiros, as mulheres seguem acumulando múltiplas jornadas, sem que esse esforço seja devidamente valorizado.
Rompendo a cultura
Neste 8 de março, a Fenajud reforça a necessidade de romper com essa cultura do cuidado que sobrecarrega as mulheres e invisibiliza suas lutas. A equidade na divisão das responsabilidades, dentro e fora de casa, é fundamental para garantir que todas possam exercer sua autonomia e construir suas trajetórias sem as amarras das expectativas sociais. A luta por igualdade vai além da ocupação de espaços: é também o direito de existir plenamente, sem que o cuidado seja uma imposição exclusiva às mulheres.