I Encontro de Negras e Negros debate saúde mental, cultura e os impactos do racismo religioso

A atividade contou com uma visita ao Terreiro da Casa Branca, casa de Candomblé mais antiga do Brasil.

Muito se fala sobre a importância de cuidar da saúde mental. Pensando nessa necessidade, o tema “Racismo, saúde mental e estratégias de enfrentamento e superação”, abriu o segundo dia do I Encontro de Negras e Negros da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário nos Estados (Fenajud), realizado em Salvador, Bahia, nesta sexta-feira, 19.

A mesa foi mediada por Adleiton Torres, base do Sindicato dos Servidores do Judiciário do Estado de Pernambuco (Sindjud-PE) é composta pela psicóloga social e mestra em Antropologia, Camille Gomes; e pela mestra em História Social, Janaína Costa.

Camille Gomes iniciou o debate destacando como é difícil e, ao mesmo tempo, no âmbito das relações raciais, a questão da saúde mental com a própria história do povo negro. “Falar da história das pessoas negras é falar de uma história que vem muito antes de nós. O sofrimento psíquico compreende que dentro das instituições totalitárias como congregações, conventos, escolas religiosas, e outras instituições que aprisionam mentes, reproduzem limites do nosso ser, da nossa identidade e a gente compreende o quanto essas prisões nos colocam em um cerco. A doença começa aí, das limitações impostas ao nosso ser. Acredito que podemos discutir, falar de relações raciais e falar de sofrimento psíquico e falar do adoecimento em âmbitos coletivos”, destacou.

Já a mestra em História social, Janaina, destacou que a afetividade do povo negro está muito ligada à escravidão mental. “O nosso povo tem sofrido quando o assunto é afetividade. Afetividade de pessoas que sofrem tanto, que são condenadas à miséria absoluta. Saúde mental deveria ser algo que está ali para que todo mundo possa acessar, mas infelizmente a justiça no Brasil ainda tem um olhar problemático, pois, a sociedade que criminaliza e reforça estereótipos em cima da população negra, é a mesma sociedade que vai te julgar. Muitas vezes, o trauma parece que estamos carregando há 400 anos. Nós existimos antes da história do Brasil. Ninguém aqui vai ver o auge dos direitos e da igualdade racial, pois, estamos começando agora, mas tenho a esperança de que para outras gerações os resultados serão diferentes”, salientou.

O evento contou ainda com a apresentação cultural do poeta e artista plástico Silvio Mendes, que apresentou parte do espetáculo ‘Racismo e outros males – Liberte-se já’. Segundo o poeta, a performance foi criada em 2009, a fim de observar o preconceito na sociedade. “Eu decidi criar algo que pudesse traduzir o encarceramento de corpos e mentes, assim construí essa grade, de 3,5kg. E a performance nasce para fazer refletir sobre esse racismo colonial, mostrando essa cabeça aprisionada, para mostrar que as pessoas muitas vezes não se sentem partes de um lugar ou de algo, pois tem suas mentes aprisionadas. Para que elas libertem as mentes, hoje não temos os grilhões, mas temos o Estado, a mídia e as instituições que aprisionam”.

Na segunda parte do debate, o Encontro recebeu Ludmila Singa, produtora, poeta, cantora e idealizadora do Slam das Minas Bahia; e Dayse Sacramento, professora, pesquisadora e empresária da literatura e idealizadora da Editora Diálogos Insubmissos, plataforma voltada à literatura negra para mulheres. Com uma conversa sobre cultura negra e a valorização da mulher negra no meio cultural, Ludmila destacou que “todas as práticas precisam estar conectadas com a cultura para que a gente realmente proporcione mudanças dentro dos cenários. A cultura é o que salva, é o pilar de transformação de uma sociedade”. Já Dayse declarou “que a ancestralidade negra também se manifesta na literatura e que pessoas negras devem, e precisam, se unir para produzir conteúdo que conte a história do povo negro para o povo negro”.

Medidas de enfrentamento ao Racismo Religioso

Durante a tarde, o Encontro foi realizado no Terreiro da Casa Branca – Ilê Axé Iyá Nassô Oká, a casa de candomblé mais antiga da cultura afro-brasileira e do Brasil, fundada em 1830. O terreiro foi tombado pelo Iphan em 1986, como o primeiro monumento da cultura negra a ser considerado Patrimônio Histórico do Brasil.

O Ogan de Xangô do Terreiro do Cobre, professor da Faculdade de Direito da UFBA e mestre em Direito, Samuel Vida, iniciou o debate falando sobre como o Racismo Religioso é um tema que vem desde a época de que os nossos ancestrais foram escravizados. “o Racismo Religioso é o tema mais antigo, porque o primeiro elemento alvo dos ataques da pretensão branca foi a religiosidade negra. A primeira norma foi a de proibir batuques, proibir os encontros e as celebrações. Esse tipo de encontro é prazeroso e produtivo, pois, aqui pudemos compartilhar experiências civilizatórias do candomblé e que as religiões de matriz africanas trouxeram para esse país”.

Murilo Simões, historiador e especialista em cultura afro-brasileira, iniciou sua fala abordando a luta contra o Racismo Religioso. “Falar sobre direitos, sobre a legislação antirracista e o Racismo Religioso é primeiro fazer uma avaliação sobre a nossa própria realidade em uma cidade como Salvador, onde a grande maioria é formada por negros e pardos e ainda assim, as práticas religiosas relacionadas aos terreiros, as religiões de matriz africana são diretamente combatidas, mesmo com a maioria da população sendo negra. E isso mostra o quanto a sociedade está doente. E isso é proporcional ao número de Leis que temos que formular para defender o que é normal, de respeito, de direito, não de tolerância e concessão”.

Já o diretor-executivo da Educafro, Frei Davi, esse momento de integração, de conhecer a fundo outras religiões, muitas vezes nos é negado. “O conhecimento transpõe barreiras. Não importa a religião, essa integralidade entre aqueles que somam com a causa do povo negro é fundamental. Não se pode ter limites para vencer o racismo”, declarou.

Fechando o encontro, a Mãe Neuza, líder do Terreiro da Casa Branca destacou a alegria de poder receber pessoas de outras religiões, de poder falar sobre o Candomblé e de como é importante essa integração. “O acolhimento que tivemos aqui hoje, para nós, é mais uma afirmação de que nosso pai, Babá mi Xangô, que vamos conseguir superar e nos unir com a força, coragem e o amor pelo sagrado e pedir aos Orixás que nunca nos abandonem”, finalizou a Ialorixá pedindo a benção e a proteção aos Orixás.

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