Em publicação da revista JPOD, datada de 8 de agosto, o coordenador de Comunicação e Imprensa da Fenajud, Cleyson Francisco, fala sobre o Estado, sobre o povo e sua soberania em uma publicação direta. No texto ele cita que a Justiça é “para poucos” e enumera problemas e dados que mostram e comprovam isso. Confira o texto abaixo e o material aqui, no link.
Artigo
Nas lições de Durkheim, o Direito é um mecanismo de controle social, ajustando a sociedade para o bem comum. Na complexa e gigante organização político-social chamada Estado, fundamentado em um território, povo e sua soberania, o direito é aplicado pelo Poder Judiciário, cujo dever está na garantia dos direitos individuais e coletivos da sociedade.
Contudo, a composição deste Poder – com P maiúsculo mesmo – não se identifica com a maior parte da sociedade ou se direciona para inatingível bem comum. Pior, no Brasil atual, alonga esse distanciamento social de forma estratosférica.
O Estado brasileiro é formado por uma diversidade étnica vista em seletos países. Isso decorre da sua formação caracterizada pela colonização europeia (brancos), dos negros (africanos) e dos indígenas (população nativa).
Corroborando com este cenário, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) trazem o seguinte: 42,7% dos brasileiros se declaram brancos; 46,8% pardos; 9,4% pretos; e 1,1% amarelos ou indígenas.
Ao mesmo tempo, relatório do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) publicado em 2018 mostra que o judiciário brasileiro é formado por 80% de brancos, 18% de negros e apenas 1% de indígenas.
O Estado com o maior percentual de negros no Judiciário é o Piauí: 45%. Na outra ponta estão Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, com 97%, 96% e 92% de brancos, respectivamente. E a pergunta que remeto ao leitor desse texto é: por quê?
O distanciamento social não está apenas na sua formação. Isso pode até ser resultado da tragédia histórica que chamamos de escravidão. Um país que extinguiu sua corrente escravocrata, mas manteve as suas correntes e suas ferra- mentas de escravidão guardadas, impondo cenários sociais cada vez mais amargos, sangrentos e desumanos.
Desse crime humanitário, ninguém foi preso. Ninguém foi punido. Do contrário, as grandes casas, vivendo a revolução industrial e se adaptando à nova realidade social, transferiram seu poder para a máquina cada vez mais forte e presente na vida das pessoas, o Estado.
A restrição intelectual imposta, o poder econômico concentrado e a tomada do poder pela burguesia direcionaram o Estado Brasileiro para o cenário de desigualFoto oficial do Tribunal de Justiça de São Paulo, em 2019: retrato da desigualdade Foto: JT/SP dade atual. O Estado Social, ainda capenga em sua execução, deveria encontrar no Poder Judiciário acolhimento incondicional às políticas públicas e sociais.
Ao contrário, o Judiciário brasileiro se distancia da sociedade não apenas em sua composição, mas em seus privilégios. O trabalhador comum, por exemplo, aquele que necessita da garantia do judiciário das ações sociais do Estado, e que cumpre a jornada de trabalho exaustiva do dia a dia, em sua grande maioria não recebe o mínimo necessário para sobreviver.
A renda média do trabalhador brasileiro é de R$ 2.510,00; dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) coletados em janeiro de 2022, segundo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), valor insuficiente para viver com dignidade em qualquer capital do País.
Enquanto isso, a Suprema Corte autorizou aumento de subsídio para seus componentes em 18%, saindo de R$ 39.293,32 para R$ 46,3 mil; 18 vezes acima do trabalhador comum. Não se trata apenas de valores em si, mas do cenário social em que vivem os componentes do Poder Judiciário. Esse distanciamento social e econômico não é recente e traduz decisões que protegem a casta social em detrimento do povo.
Enquanto a Suprema Corte não reconhece o direito constitucional à irredutibilidade remuneratória real recebido por trabalhadores públicos – em regra, trabalhador comum como aquele dito acima – permite adoção de medida que contempla pagamentos retroativos de até R$ 67 milhões em “licenças-prêmio” de 60 dias acumula. O judiciário se distancia da sociedade não só em sua composição, mas em seus privilégios
Na seara penal, o labeling approach, que traduz a teoria do etiquetamento social, é presente quando percebemos a impunidade dos crimes de colarinho branco e a perversidade social encontrada nas penitenciárias brasileiras, que, oposto à composição do Judiciário, é abarrotada principalmente de negros e pobres.
Claro que a conservação de um Estado de desigualdade não é culpa exclusiva do Judiciário brasileiro, mas enquanto este mantém seu distanciamento das necessidades sociais, aumentando privilégios para sua casta, o ideário de um Estado justo e igualitário se move para o inalcançável abismo.
Cleyson Francisco é diretor Jurídico no Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário de Alagoas, Técnico Judiciário no mesmo órgão, especialista em Direito Administrativo, Coord. de Comunicação na Federação Nacional dos Servidores do Judiciário nos Estados e Membro do Comitê da Jovens da ISP.