Os espectros políticos progressista e reacionário dão as mãos no tema de supremacia branca de seus quadros principais.
Em 2000, Sueli Carneiro estava sendo entrevistada na revista Caros Amigos, por José Arbex Jr., Demétrio Magnoli e Jayme Brener, quando foi provocada por Arbex a falar sobre Celso Pitta, à época prefeito de São Paulo, que quando acusado por corrupção “saiu com um cartaz dizendo que estava sendo perseguido por ser negro”.
Foi então que Carneiro deu uma resposta que entrou para a história: “Não me consta que o Pitta não tenha consciência de sua condição de negro. Não se tem notícia dele como ativista. Somos humanos como os demais, com diversas visões políticas e ideológicas. Eu, por exemplo, entre esquerda e direita, continuo sendo preta”.
Entre esquerda e direita, continuo sendo preta. Uma pessoa negra que tenha o mínimo de consciência racial e conviveu em círculos políticos progressistas sabe bem o que Sueli dizia e sabe como essa frase irrita.
Vou contar uma história que se passou há dois anos, quando eu estava em Brasília para a palestra sobre um de meus livros.
Era período eleitoral e essas horas são particulares quanto à ânsia de pessoas se mostrarem as maiores revolucionárias de todos os tempos. Bom, estava lá, na minha. Raramente vou a Brasília, então era uma oportunidade para aproveitar.
Eis que abre para perguntas, e uma pessoa agarra o microfone. Era uma candidata. Pronto, veio lá o discurso, dedo em riste, porque ela, sim, era de esquerda, ela, sim, era revolucionária.
E, como tentar sujar o nome de mulheres negras em público atrai os olhares animados e enche as pessoas de coragem, em dado momento a garota citou o nome de Sueli Carneiro e essa frase era exemplo contrário de tudo que ela estava alegando ser, uma vez que ela era de esquerda e que a direita queria destruí-la como grupo social. E, a cada vez que falava o nome da mais velha, a boca se enchia, pois, como afirma Toni Morrison, todo mundo gosta de se sentir mais limpo esfregando sua sujeira na mulher negra. Sobretudo naquelas com trabalho sério e sem cabresto.
Bom, calmamente, esperei a cidadã terminar suas considerações “revolucionárias”. Não tivesse ela dito o nome da mais velha em público enquanto expressava sua ignorância, isto é, ficasse apenas em suas considerações do quanto ela era revolucionária, ia assentir com alguma coisa do tipo “uau, parabéns pelo trabalho” e seguir para a próxima pergunta.
Agora, já que ela havia citado alguém que nem sequer estava lá, bom, tive que responder que ela estava completamente equivocada. Que ao dizer essa frase, Sueli jamais disse que o espectro político progressista é a mesma coisa que o reacionário, embora ambos deem as mãos quando o assunto é a supremacia branca de seus quadros principais. Mas que uma esquerda somente pode se reivindicar como tal quando radicalizar sua perspectiva racial.
As pessoas negras movidas pela transformação social devem se autodeterminar politicamente, independentemente do que “revolucionários” de partido digam o que elas devem ou não fazer, com quem devem ou não se relacionar.
Por quase 400 anos a escravidão foi a base da economia do Brasil, além das pessoas negras serem vendidas.
Isso causou uma desigualdade material imensa, mas penso que a branquitude não está disposta a discutir isso.
Pessoas brancas dominam o sistema financeiro, empresas, quadros diretivos do poder público e, vejam só, são ampla maioria nos quadros dirigentes partidários, seja de direita ou de esquerda.
Não estudam sobre relações raciais e ainda são capazes de disparar todo tipo de ataque, apelido, deboche, a fim de posicionar a produção e existência no “index” da revolução.
Mobilizam capatazes, brancos e negros, que juram ser independentes e trabalham na fazenda de likes munidos de chicotes guardados a curta distância da mão para usá-los no primeiro sinal de que o preto não está trabalhando como querem, enquanto aplaudem pessoas brancas “revolucionárias” que estão recebendo centenas de milhares de reais para a campanha, ao passo que a preta, “vendida para o capital”, deve fazer sua campanha com R$ 10 mil, R$ 15 mil, se tanto.
Se vem de preto tem que ser precário, tem que ser gritando com o punho em riste formando uma bela imagem a ser celebrada pelos dirigentes e poucos capatazes, os mesmos que se dizem independentes, na comitiva da revolução que vai beijar mãos na Vieira Souto, nos Jardins, no Corredor da Vitória.
Enquanto a esquerda se escorar nos métodos coloniais para manutenção da revolução branca, pessoas negras devem se virar como podem, pois entre esquerda e direita, seguem sobrevivendo num país que segue como uma colônia.Em 2000, Sueli Carneiro estava sendo entrevistada na revista Caros Amigos, por José Arbex Jr., Demétrio Magnoli e Jayme Brener, quando foi provocada por Arbex a falar sobre Celso Pitta, à época prefeito de São Paulo, que quando acusado por corrupção “saiu com um cartaz dizendo que estava sendo perseguido por ser negro”.
Foi então que Carneiro deu uma resposta que entrou para a história: “Não me consta que o Pitta não tenha consciência de sua condição de negro. Não se tem notícia dele como ativista. Somos humanos como os demais, com diversas visões políticas e ideológicas. Eu, por exemplo, entre esquerda e direita, continuo sendo preta”.
Entre esquerda e direita, continuo sendo preta. Uma pessoa negra que tenha o mínimo de consciência racial e conviveu em círculos políticos progressistas sabe bem o que Sueli dizia e sabe como essa frase irrita.
Vou contar uma história que se passou há dois anos, quando eu estava em Brasília para a palestra sobre um de meus livros.
Era período eleitoral e essas horas são particulares quanto à ânsia de pessoas se mostrarem as maiores revolucionárias de todos os tempos. Bom, estava lá, na minha. Raramente vou a Brasília, então era uma oportunidade para aproveitar.
Eis que abre para perguntas, e uma pessoa agarra o microfone. Era uma candidata. Pronto, veio lá o discurso, dedo em riste, porque ela, sim, era de esquerda, ela, sim, era revolucionária.
E, como tentar sujar o nome de mulheres negras em público atrai os olhares animados e enche as pessoas de coragem, em dado momento a garota citou o nome de Sueli Carneiro e essa frase era exemplo contrário de tudo que ela estava alegando ser, uma vez que ela era de esquerda e que a direita queria destruí-la como grupo social. E, a cada vez que falava o nome da mais velha, a boca se enchia, pois, como afirma Toni Morrison, todo mundo gosta de se sentir mais limpo esfregando sua sujeira na mulher negra. Sobretudo naquelas com trabalho sério e sem cabresto.
Bom, calmamente, esperei a cidadã terminar suas considerações “revolucionárias”. Não tivesse ela dito o nome da mais velha em público enquanto expressava sua ignorância, isto é, ficasse apenas em suas considerações do quanto ela era revolucionária, ia assentir com alguma coisa do tipo “uau, parabéns pelo trabalho” e seguir para a próxima pergunta.
Agora, já que ela havia citado alguém que nem sequer estava lá, bom, tive que responder que ela estava completamente equivocada. Que ao dizer essa frase, Sueli jamais disse que o espectro político progressista é a mesma coisa que o reacionário, embora ambos deem as mãos quando o assunto é a supremacia branca de seus quadros principais. Mas que uma esquerda somente pode se reivindicar como tal quando radicalizar sua perspectiva racial.
As pessoas negras movidas pela transformação social devem se autodeterminar politicamente, independentemente do que “revolucionários” de partido digam o que elas devem ou não fazer, com quem devem ou não se relacionar.
Por quase 400 anos a escravidão foi a base da economia do Brasil, além das pessoas negras serem vendidas.
Isso causou uma desigualdade material imensa, mas penso que a branquitude não está disposta a discutir isso.
Pessoas brancas dominam o sistema financeiro, empresas, quadros diretivos do poder público e, vejam só, são ampla maioria nos quadros dirigentes partidários, seja de direita ou de esquerda.
Não estudam sobre relações raciais e ainda são capazes de disparar todo tipo de ataque, apelido, deboche, a fim de posicionar a produção e existência no “index” da revolução.
Mobilizam capatazes, brancos e negros, que juram ser independentes e trabalham na fazenda de likes munidos de chicotes guardados a curta distância da mão para usá-los no primeiro sinal de que o preto não está trabalhando como querem, enquanto aplaudem pessoas brancas “revolucionárias” que estão recebendo centenas de milhares de reais para a campanha, ao passo que a preta, “vendida para o capital”, deve fazer sua campanha com R$ 10 mil, R$ 15 mil, se tanto.
Se vem de preto tem que ser precário, tem que ser gritando com o punho em riste formando uma bela imagem a ser celebrada pelos dirigentes e poucos capatazes, os mesmos que se dizem independentes, na comitiva da revolução que vai beijar mãos na Vieira Souto, nos Jardins, no Corredor da Vitória.
Enquanto a esquerda se escorar nos métodos coloniais para manutenção da revolução branca, pessoas negras devem se virar como podem, pois entre esquerda e direita, seguem sobrevivendo num país que segue como uma colônia.
Texto de Djamila Ribeiro