Especialista afirma, “reforma coloca trabalhador privado e do serviço público para pagar a conta”

Em entrevista exclusiva à Fenajud a advogada Thaís Riedel, presidente da Comissão de Seguridade Social da Seccional DF e membro consultora da Comissão Especial de Direito Previdenciário do Conselho Federal da OAB, detalha pontos da medida à população.

A reforma da Previdência segue em tramitação na Câmara dos Deputados e é considerada a “menina dos olhos” do Executivo para reequilibrar as contas públicas, nos próximos anos. O texto que foi entregue ao Congresso Nacional abrange tanto os trabalhadores do setor privado, que estão no Instituto Nacional Do Seguro Social (INSS), quanto os servidores públicos.  Para explicar os principais pontos da proposta, a Fenajud (Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário nos Estados) convidou a advogada Thais Riedel, ex-presidente da Comissão de Seguridade Social da Seccional DF e atual presidente do Instituto Brasiliense de Direito Previdenciário – IBDPREV, para falar sobre a Proposta.

Thais iniciou a entrevista dizendo que “a reforma é muito complexa, envolve temas diversos e não apenas os estritamente previdenciários. Traz alterações significativas nas regras atuais, tanto no que tange ao custeio do sistema previdenciário quanto em relação aos requisitos para se ter direito aos benefícios previdenciário e, principalmente, quanto aos cálculos dos benefícios”.

Foto: OAB-DF

Ela disse que “esse novo mecanismo certamente gera muita insegurança jurídica porque tudo o que for discutido agora, ao deixar de ter o status constitucional, poderá ser novamente alterado muito mais facilmente através de projeto de lei e não mais através de emenda constitucional. Pelo texto transitório se observa claramente que já estão preparando o território para mudanças futuras ainda mais substanciais, como a capitalização obrigatória da previdência social. Então, certamente virão novas mudanças em breve”.

A advogada disse ainda que “diferentemente do que se tem publicitado na mídia, essa reforma atinge também os mais pobres e não apenas os “privilegiados”. Ela altera, além dos requisitos dos benefícios, a sua forma de cálculo de forma drástica, sem fazer a devida distinção entre os benefícios programados e não programados, o que resulta em perdas substanciais nos valores dos proventos e aposentadorias e, principalmente, nas pensões”.

Servidores públicos na mira

A especialista disse na entrevista à Fenajud que “Em relação aos servidores, eles mais uma vez são chamados para pagar a conta. Embora já tenham sofrido várias reformas passadas reduzindo o patamar antigo da integralidade para o atual teto do INSS, pois um servidor novo já estará limitado a esse patamar protetivo, existem os servidores que estão em pleno processo de transição das alterações anteriores, o que gera um custo de transição, o qual o governo não está disposto a bancar. Então, a Reforma achou a forma perfeita de cobrir esse déficit atuarial transitório: cria a possibilidade da criação de contribuição extraordinária, quando comprovada a existência de um déficit atuarial, que será estabelecida aos servidores públicos para promover seu equacionamento, por prazo determinado, sendo que, nesse caso, poderá haver extensão para os aposentados e pensionistas contribuírem também com essa contribuição extraordinária”.

“A geração atual de servidores ativos, que contribui sobre toda a sua remuneração e não apenas ao teto do INSS, está pagando pelas gerações passadas e futuras, seja porque antigamente não havia modelo contributivo em contrapartida à aposentadoria administrativa integral; seja porque a geração futura de novos servidores, que deveriam sustenta-la, já está contribuindo somente até o teto do INSS, o que evidentemente gera um déficit atuarial, até finalização do período de transição e alcance da simetria entre todos os benefícios e contribuições limitados ao teto do INSS”, pondera.

As novas regras para aposentadoria voluntária serão: idade mínima de 65 anos para homens e 62 para as mulheres; tempo de contribuição de 25 anos, incluindo ainda a obrigatoriedade de 10 anos no serviço público e 5 no cargo e cálculo proporcional ao tempo trabalhado, em que será feita uma média aritmética de todo o período contributivo, a partir de 1994, sobre a qual incidirá uma alíquota de 2% por ano de contribuição que supere 20 anos de contribuição (ou seja, só aposentará com 100% quem contribuir por 40 anos).

“Existem regras de transição com idades mínimas (56 anos de idade para mulheres e 61 anos de idade para homens), tempo mínimo de contribuição de 30 anos para as mulheres e 35 anos para os homens; 20 anos de serviço público e 5 anos no cargo e pontuação (86 pontos para as mulheres e 96 para homens) que vão aumentando ao longo dos anos. São extintas as atuais regras de transição da EC41/2003 e EC47/2005. Só terá direito à paridade e integralidade os servidores públicos que entraram antes de 2003 e alcançarem a nova idade mínima (65 anos, para homens e 62 anos, para mulheres)”, disse.

Conforme outros especialistas já apontaram, Thaís também disse que as idades mínimas poderão ser alteradas conforme um “gatilho”, a ser definido em lei, que automaticamente as aumentará, conforme aumento da expectativa de vida atestada pelo IBGE. “Esse mecanismo, caso implementado, gera muita insegurança jurídica, porque nunca se poderá saber qual idade efetivamente se dará a aposentadoria”.

Desigualdades

Sobre acabar com as desigualdades sociais, conforme divulgado pelo governo, Thaís foi categórica o afirmar que “a A PEC 6/2019 não acaba com as desigualdades sociais”.

“A Proposta trouxe uma novidade que foi a cobrança progressiva das alíquotas das contribuições previdenciárias, conforme a renda do trabalhador ou servidor público. Nesse ponto, cria faixas contributivas que vão de 7,5% (para quem recebe até um salário mínimo) a 22% (no caso de servidor com remuneração maior que o teto constitucional), o que possibilita ao governo dizer que é uma aposentadoria mais justa porque quem ganha mais pagará mais do que quem ganha menos. Entretanto, quando você verifica as regras de acesso e, principalmente, de cálculo dos benefícios previdenciários, percebe-se que a camada pobre da população também terá redução drástica dos valores a serem recebidos”, aponta.

Capitalização

Sobre a possibilidade de criação de previdência social, organizada com base em sistema de capitalização, a advogada alerta que “constitucionalizam a autorização para sua implementação, mas deixam para a legislação complementar posterior regulamentar como seria esse sistema. Para os servidores públicos, a PEC também altera a Constituição Federal determinando a instituição de sistema obrigatório de capitalização individual, mas também para ser regulamentado por lei futura”.

“Portanto, a PEC não detalha como será esse sistema capitalizado. Apenas constitucionaliza e traz alguns parâmetros para a possibilidade sua de criação futura. Isso traz uma insegurança jurídica tamanha, pois estaremos abrindo mão de direitos hoje garantidos por uma previdência pública pela constituição; para um modelo futuro no escuro, já que não temos ainda o texto da futura lei complementar. Acredito que o sistema capitalizado serve muito bem quando se propõe a ser um sistema complementar de previdência social. Mas não como sistema básico. Isso porque, atuarialmente, o custo da proteção aos riscos sempre se dilui no grupo; ao passo que na poupança individual, mesmo com a contribuição do empregador, não há a mesma solidariedade do risco”, disse.

“Normalmente os países possibilitam um sistema misto em que há uma previdência básica, pública e solidária; e outra complementar, privada e capitalizada. Penso que devemos prosseguir evoluindo esse modelo, fazendo os ajustes necessários para que ele consiga efetivamente proteger a população. Temos que avançar e não retroceder”, complementa.

Categorias prejudicadas

“Os mais prejudicados serão aqueles que hoje possuem regras específicas de aposentadoria, como as mulheres; professores e os trabalhadores que trabalham em condições especiais. Isto porque a PEC traz o mesmo critério de cálculo da aposentadoria voluntária geral, ou seja, média aritmética de todo o período contributivo, a partir de 1994, sobre a qual incidirá uma alíquota de 2% por ano de contribuição que supere 20 anos de contribuição (ou seja, só aposentará com 100% quem contribuir por 40 anos), fazendo com que o direito garantido para uma aposentadoria em menos tempo de contribuição, em compensação ao maior risco no trabalho, acabe sendo em valor menor”.

Às mulheres também estão exigindo uma cota maior de sacrifício, tanto no aumento da idade mínima quanto no valor a receber em seus benefícios.

Há também a criação de idades mínimas para a aposentadoria especial por exposição a agentes nocivos à saúde. “Entendo que a criação de idade mínima não se coaduna com o instituto da aposentadoria especial, porque o intuito da norma, ao autorizar uma aposentadoria em menos tempo de contribuição para quem está exposto aos agentes nocivos à saúde, é exatamente possibilitar a retirada do ambiente insalubre a tempo do organismo não acabar sendo demasiadamente prejudicado. Portanto, se eu crio uma idade mínima para a pessoa sair do ambiente nocivo ela poderá já ter cumprido o tempo necessário para aposentar e, portanto, sair do ambiente nocivo, mas continuará até cumprir a tal idade mínima.  Também me preocupo com a retirada da conversão do tempo especial em comum, hoje autorizada pela legislação previdenciária, para aqueles que não cumpriram todo o tempo especial, mas parte dele. Isto porque, seja proporcional ou integralmente, já houve a exposição física ao ambiente nocivo, de modo que é justa a devida compensação indenizatória no tempo contribuído”.

Alerta

A advogada finalizou a entrevista com um alerta. “A população deve ser esclarecida do que está sendo proposto nessa Reforma. Isto porque ela descontrói o modelo atual de proteção social, com base solidária e com proteção constitucional; para um modelo de capitalização individual a ser regulamentado por lei infraconstitucional. Assim, a verdadeira reforma ainda estar por vir, e será feita num quórum de lei complementar e não mais de emenda constitucional. Se o governo estiver aberto para um debate franco com a população, aceitando as sugestões de melhoria do texto apresentado, alguns efeitos poderão ser amenizados. A saída, como sempre, é o diálogo e a atuação junto aos parlamentares para se ter avanços e não permitir retrocessos”, conclui.

 

 

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