Por Andréia Espíndola e Josiane Censi
Trabalhadoras do Poder Judiciário Catarinense e integrantes do Coletivo Valente
Os nossos direitos nunca estão completamente garantidos. Esta é uma frase que, como mulher, se aprende cedo e se ouve diversas vezes no decorrer da nossa existência. A nossa luta pela emancipação da mulher tem sido uma trajetória cansativa, eventualmente contamos com avanços, outras com retrocessos e estagnação, a depender do período histórico e político que atravessamos.
Dados crescentes de violência contra as mulheres e população LGBTQIA+, exigem que as instituições tomem providências para além da legislação já existente, vez que a herança cultural do patriarcado que incide sobre nossa sociedade é muito profunda.
À vista disto, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero brasileiro, nasceu com o intuito de elucidar questões de gênero que permaneciam bastante adormecidas dentro do Judiciário e Ministério Público brasileiros.
O protocolo, lançado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2021, alcançou, no último dia 19 de outubro de 2024, três anos de existência e há motivos vários para ampliar o debate sobre o tema.
Do estado onde falamos, Santa Catarina, estão sendo percebidos movimentos incipientes nesta tônica. A obra “Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero: Aplicações, Conceitos e Práticas” organizada pelas advogadas Ana Paula de Oliveira Antunes, Gabriela Jacinto Barbosa e Júlia Melim Borges Eleutério, Coleção Jurisfeministas, Volume 1, publicada pela Editora Habitus, deu o início necessário para aprofundar o tema, organizá-lo em uma obra estruturada e engrandecer o direito, tirando-lhe a venda, símbolo que ilustra a Deusa da Justiça, Thêmis. Neste panorama, a obra menciona, com base em muitas pesquisas e estudos, que a verdadeira justiça é aquela que considera as diferenças dos que estão sendo julgados e não simplesmente alega a ‘imparcialidade’, crença que se tornou uma falsa narrativa hodierna, dado que a sociedade é repleta de pluralidade e imensa desigualdade. Em continuidade ao trabalho, o referido grupo de escritoras e juristas já prepara o segundo volume desta obra.
Foi em Santa Catarina também que, no último mês de julho, foi criada a primeira Comissão do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) no Brasil, com o intuito de impulsionar a aplicação do Protocolo.
Nesse contexto, o Coletivo Valente, coletivo feminista cujas integrantes são as servidoras do Poder Judiciário Catarinense, iniciou, em fevereiro de 2023, a campanha permanente de sensibilização em prol da divulgação e da aplicação do Protocolo. O fator coletivo e, portanto, político, fez com que as mulheres se organizassem realizando visitas às autoridades vinculadas à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.
Apontamos, precipuamente, nesses lugares que, via de regra, preconizam a observância da neutralidade em relação ao gênero, a melhoria nas formações e capacitações aos integrantes das instituições com base no Protocolo de Gênero.
Salientamos que há diversas decisões publicadas em que se verifica a real desvantagem da mulher, documentada em pareceres, decisões e gravações de audiências em que tal protocolo tampouco é conhecido, muito menos aplicado e referenciado.
As atuações do Coletivo Valente em favor da aplicação do Protocolo foram recentemente reconhecidas no IV Prêmio do CNJ ‘Juíza Viviane Vieira do Amaral’.
O Protocolo de Gênero do CNJ é um documento que sinaliza para as mulheres e meninas brasileiras que o Sistema de Justiça precisa ser repensado para oferecer respostas mais justas e reparadoras, considerando as desigualdades persistentes e aviltantes em nosso sistema de Justiça.
A nível mundial infere-se grande preocupação com a equidade de gênero com o acirramento dos debates envolvendo licença maternidade, assédio sexual, a sobrecarga materna e o trabalho de cuidado invisível das mulheres e toda a repercussão disto nos mais diferentes âmbitos da vida.
Nesta toada, o Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres, declarou, em março do ano passado, em evento alusivo à defesa dos direitos da mulher: “A igualdade de gênero está se distanciando cada vez mais. No caminho atual, a ONU Mulheres a coloca a 300 anos de distância”.
À luz desta fala, é urgente a efetiva aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero em todas as esferas da Justiça com o consequente debruçamento dos operadores do direito sobre a temática, trazendo mais equidade às decisões judiciais, afastando o sexismo e a misoginia.
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