A campanha temática faz parte do compromisso contínuo da Federação em defender a promoção de esforços para garantir a segurança e a justiça para todas as mulheres. O material será veiculado no site e redes sociais da entidade durante todo o mês.
Na segunda matéria da campanha especial do Agosto Lilás – Não tem “Desculpa”! a FENAJUD – Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário nos Estados continua a explorar questões fundamentais no combate à violência contra a mulher no âmbito do Poder Judiciário. Após a primeira abordagem sobre eficácia das medidas protetivas previstas na legislação brasileira e os maiores desafios que as vítimas enfrentam no país, a Entidade nacional volta sua atenção para um aspecto crucial e muitas vezes negligenciado: a violência institucional e como a morosidade da justiça impacta as mulheres. As advogadas Laura Tasca (OAB-RJ 246493) e Hyezza Tavares (OAB-BA 69865) analisam esse contexto e comentam como é na prática.
A Lei nº 14.321/2022 diz que violência institucional ocorre quando o agente público submete uma vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a “procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita necessidade, a situação de violência ou outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização”. Os responsáveis pela prática podem ser punidos com detenção de três meses a um ano e multa. Mas isso tem ocorrido dentro da estrutura do Judiciário?
A advogada Laura Tasca aponta que ocorre. “As principais formas de violência institucional que as mulheres podem enfrentar dentro do sistema judicial incluem re-vitimização, descredibilização das queixas e tratamento discriminatório baseado em preconceitos de gênero e raça. Isso ocorre quando as mulheres são submetidas a
questionamentos repetitivos e invasivos, que podem trazer à tona traumas passados e causar sofrimento adicional. A descredibilização das queixas se manifesta na tendência de alguns profissionais de desacreditar as queixas das vítimas, minimizando a gravidade da violência sofrida e questionando sua veracidade. […] O tratamento discriminatório pode ocorrer devido a preconceitos de gênero e raça, resultando em um tratamento desigual e injusto das mulheres, especialmente aquelas de grupos minoritários. Essas práticas impactam negativamente a busca por justiça e proteção ao desincentivar as mulheres de denunciar abusos, perpetuando o ciclo de violência e desigualdade”.
Laura diz ainda que “A falta de uma resposta adequada e sensível do sistema judicial pode levar as vítimas a sentir que não são levadas a sério e que suas experiências de violência são menosprezadas. Para combater essas formas de violência institucional, é necessário implementar políticas e práticas que promovam a igualdade de gênero e raça dentro do sistema judicial. Isso inclui a capacitação contínua dos profissionais, a criação de protocolos de atendimento que evitem a re-vitimização e a promoção de uma cultura de respeito e sensibilidade às necessidades das vítimas”.
Sobre isso, Hyezza aponta que “No sistema judicial, a violência institucional contra mulheres pode assumir várias formas e entre essas formas, a revitimização é particularmente cruel, conforme já mencionado. Ainda a discriminação e preconceito também são sérios problemas e são usais no meio judicial mesmo com o atravessamento legal e as leis mais frequentes de proteção à vítima de violência doméstica, com isso a
minimização ou o desprezo das denúncias, a desigualdade no tratamento processual e a falta de serviços adequados, como assistência jurídica e abrigo seguro, tornam ainda mais difícil para as mulheres sequer quererem ir até o judiciário e enfrentar as exigências desiguais e a inadequação dos serviços de apoio”.
“Além desses desafios, há a litigância abusiva, que acontece quando uma parte usa o sistema judicial como uma arma para atormentar a outra parte, o que pode prolongar o processo e criar obstáculos adicionais para a vítima, ainda é comum envolver o uso dos filhos para manipular emocionalmente a vítima, especialmente em casos de abuso sexual, onde isso pode significar desacreditar a vítima ou prolongar o sofrimento dela. Um problema particularmente controverso é a aplicação da teoria da alienação parental, que tem sido amplamente criticada e rechaçada mundialmente. Essa teoria sugere que um dos pais, geralmente a mãe, está “alienando” a criança do outro pai, frequentemente o agressor. Essa visão tem sido usada para desacreditar mulheres e vítimas de abuso sexual, promovendo a satisfação do agressor e muitas vezes ignorando o impacto real do abuso sobre a criança e a vítima – a lei ainda desconsidera o contexto de abuso e pode levar a decisões judiciais que favorecem o agressor, prejudicando ainda mais as vítimas e as crianças envolvidas”, pontua Hyezza.
MOROSIDADE DA JUSTIÇA
Outro problema crítico que afeta a vida das mulheres vítimas de violência é a morosidade da justiça, que pode significar demora na concessão de medidas protetivas, lentidão nas investigações e longos períodos até que casos sejam julgados. Essa lentidão pode ser causada por diversos fatores, que incluem: falta de recursos, sobrecarga de trabalho dos servidores nos tribunais e procedimentos burocráticos complexos.
De acordo com as profissionais, a lentidão nos processos judiciais pode ter consequências devastadoras para as vítimas, muitas vezes exacerbando o sofrimento e comprometendo sua segurança e bem-estar. A Dra. Hyezza aponta que, “quando os processos judiciais se arrastam por muito tempo, as vítimas enfrentam uma série de problemas sérios. Primeiro, o prolongamento da exposição ao perigo é um dos maiores desafios. Enquanto o caso está pendente, as mulheres continuam a viver sob a ameaça constante do agressor, nesses casos, sem uma resposta rápida, elas permanecem vulneráveis a novas agressões, gerando frustração, desânimo e descrédito quanto ao judiciário fazendo com que novas denúncias não sejam realizadas e levando até o ápice da violência, como o feminicídio”.
“Em vias psicológicas através da dinâmica do trauma, a morosidade também intensifica o trauma, pois esperar tanto tempo para que o sistema se mova pode aumentar o estresse emocional e psicológico, tornando o processo ainda mais doloroso. Outro problema crítico é a perda de provas e testemunhas. Com o passar do tempo, coletar provas e encontrar testemunhas se torna cada vez mais difícil, e a lentidão pode levar à deterioração de evidências importantes e ao esquecimento ou dificuldade de contato com testemunhas, prejudicando a qualidade do julgamento e a chance de uma resolução justa. Em casos envolvendo feminicídio, ao ir a júri, além da espera da família por respostas, o júri pode ser influenciado pela demora, morosidade e pelo tempo do homicida em liberdade afetando decisões de seus pares. Implementar procedimentos judiciais acelerados pode ajudar a reduzir o tempo de tramitação, para respeitar e estabelecer prazos mais curtos para audiências e decisões. O uso de tecnologia também desempenha um papel crucial, adotar sistemas eletrônicos e digitais para acompanhar os processos pode ajudar na gestão dos casos, melhorar a comunicação entre as partes e agilizar a coleta de provas. Mas a base para qualquer procedimento que envolva crises, principalmente ligadas a formas umbilicais da sociedade como o machismo e a violência intrafamiliar, precisa vir através de políticas públicas eficazes na conscientização e educação da base do trabalhador brasileiro que muitas vezes é distanciando de informações. Os discursos de ódio contra mulheres são cada vez mais ininterruptos e chegam aos jovens de forma muito mais eficaz que uma abordagem de qualidade contra a violência. O judiciário deveria ser a última arma, pois nele já há uma violência.”, conclui.
A Dra. Laura diz que “A lentidão ou a morosidade dos processos judiciais pode ser considerada uma forma de violência contra as mulheres, especialmente em casos de violência doméstica e abuso, pois prolonga seu sofrimento e as mantém em situações de risco. A demora na resolução dos casos pode levar a novos episódios de violência, causando danos físicos e psicológicos adicionais às vítimas. Para acelerar esses processos e garantir uma resposta mais rápida, podem ser adotadas diversas medidas. A alocação de mais recursos humanos e financeiros ao sistema judicial é fundamental, incluindo a contratação de mais juízes, promotores e servidores, e a melhoria da infraestrutura dos tribunais. A digitalização dos processos pode agilizar a tramitação dos casos e reduzir a burocracia, tornando o sistema mais eficiente”, pontua.
Ela cita ainda que “A criação de varas especializadas em violência doméstica pode garantir que esses casos sejam tratados com a urgência necessária por profissionais capacitados para lidar com a violência de gênero. A aplicação imediata das medidas protetivas é essencial para garantir a segurança das vítimas, com um acompanhamento rigoroso para assegurar o cumprimento das ordens judiciais. Além disso, é importante desenvolver sistemas de monitoramento e fiscalização eficazes para garantir que os agressores cumpram as medidas protetivas e que as vítimas recebam o suporte necessário durante todo o processo judicial”.
Quanto à raça, ela pontua que “Existe uma diferença significativa nas práticas de violência quando se considera a raça, com mulheres negras e indígenas enfrentando abusos específicos devido ao racismo institucional e estrutural. Elas são mais propensas a serem estigmatizadas e menos acreditadas em suas queixas, além de enfrentarem maior dificuldade de acesso à justiça e aos serviços de proteção. Estatísticas mostram que mulheres negras têm uma taxa de feminicídio significativamente maior do que mulheres brancas, e muitas vezes as políticas públicas não atendem adequadamente às suas necessidades, perpetuando sua invisibilidade e marginalização. De maneira similar, mulheres indígenas enfrentam desafios únicos devido ao contexto sociocultural de suas comunidades, exigindo adaptações na aplicação da Lei Maria da Penha que respeitem e compreendam suas especificidades culturais. Lélia Gonzalez destacou que o racismo e o sexismo na cultura brasileira se interseccionam de maneiras que afetam profundamente as mulheres negras, perpetuando uma dupla opressão muitas vezes invisível para as políticas públicas tradicionais. A interseccionalidade de gênero e raça coloca as mulheres racializadas em uma posição de vulnerabilidade aumentada, onde as discriminações se sobrepõem e agravam as experiências de violência”.
Para garantir que todas as mulheres tenham acesso igualitário à justiça e à proteção, ela acredita que “as políticas públicas e medidas protetivas devem ser adaptadas. Isso inclui a implementação de programas específicos para apoiar mulheres negras e indígenas, a capacitação de profissionais para lidar com a interseccionalidade das discriminações e a promoção de uma cultura de igualdade e respeito dentro do sistema judicial e dos serviços de apoio. Reconhecer as particularidades das mulheres racializadas e criar políticas inclusivas são essenciais para combater a violência de forma eficaz e garantir um sistema de justiça equitativo para todas as mulheres”.
Agosto Lilás
A Campanha deste ano da Federação tem como slogan “Agosto Lilás – Não tem desculpa!” e contará com publicações ao longo do mês no site e redes sociais da entidade. O projeto é uma oportunidade de divulgar informações e fazer a reflexão sobre o papel vital do Judiciário na proteção das mulheres e na luta contra a violência doméstica. A primeira entrevista com as advogadas foi dividida em duas matérias, a primeira delas foi veiculada na última quinta (1) e pode ser conferida aqui.
A campanha faz parte do compromisso contínuo da Federação em defender a promoção de esforços entre diferentes instituições, para garantir a segurança e a justiça para todas as mulheres, tendo a atuação do Judiciário como um pilar crucial na construção de uma sociedade onde a violência doméstica não tenha espaço e onde os direitos das mulheres sejam plenamente respeitados.