Fenajud entrevistou a supervisora técnica do Dieese, Ana Georgina Dias, que teceu comentários à respeito da proposta, citou os principais mitos da Reforma Administrativa e comentou como ela possibilita o fim do serviço público no Brasil.
O relator da reforma administrativa, deputado Darci de Matos (PSD-PR), afirmou na última terça (04) que apresentará o parecer sobre a PEC 32/2020 na semana que vem. Segundo ele, o texto não atingirá atuais servidores e servidoras. O parlamentar afirmou ainda que a PEC dependerá de projetos de lei subsequentes para definir as carreiras que serão consideradas de Estado e que, portanto, não terão a estabilidade retirada. Porém, muito do que o governo ou parlamentares governistas falam são informações falsas que precisam ser esclarecidas para a população. Para isso, a Fenajud (Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário nos Estados) decidiu entrevistar a supervisora técnica do Dieese, Ana Georgina Dias, para desvendar os mitos ditos pelo Executivo.
Ana Georgina iniciou sua fala dizendo que, “Nos últimos anos têm sido implementadas no país várias ações que redesenham o Estado brasileiro. São medidas para privatizar o Estado, reduzir investimentos, a oferta de bens públicos, de serviços públicos, mesmo os essenciais. Nesse sentido, a Proposta de Emenda Constitucional 32/2020 (PEC 32/2020) é mais uma tentativa de aprofundamento da política de austeridade fiscal e desmonte do Estado. Além disso, por trazer mudanças profundas nos vínculos de trabalho no setor público e mesmo nos direitos dos (as) servidores (as), pode ser vista com uma transposição da Reforma Trabalhista que ocorreu no setor privado em 2017 para o setor público. Não é exagero afirmar que a PEC 32/2020 flexibiliza e precariza as relações de trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras do setor público. A consequência disso, além da perda de direitos e autonomia dos servidores e das servdidoras, é inevitável piora dos serviços prestados”.
Perguntamos como ficará o serviço público caso a Reforma Administrativa seja aprovada, a resposta é categórica: “Caso a PEC 32/2020 seja aprovada como está, o serviço público como conhecemos hoje tende a desaparecer. De forma resumida, pode-se dizer que boa parte da proposta de reforma da Administração Pública contida na PEC 32/2020 consiste em retirar a primazia do concurso público como instrumento de seleção de pessoal, enfraquecer e/ou eliminar a estabilidade dos(as) servidores(as) civis estatutários(as) e reduzir os patamares salariais, além de transferir atividades públicas para a iniciativa privada e dar amplos poderes ao presidente da República para reorganizar o funcionamento do Estado de forma arbitrária e sem qualquer discussão com o Congresso Nacional e com a sociedade”.
“Isso pode ensejar maneiras de efetivação da corrupção e o fomento da arbitrariedade de agentes privados no âmbito do Estado. Logo, a proposta de reforma administrativa não se restringe aos(às) servidores(as) públicos(as), embora este seja praticamente o único aspecto tratado pela imprensa”, complementa.
Quando dizem que a reforma atingirá somente novos servidores, a especialista aponta que “Um dos maiores mitos sobre a reforma administrativa diz respeito a impacto que a mesma pode ter sobre os atuais servidores. Segundo o próprio governo, a reforma administrativa se dará em etapas. Nesse primeiro momento a ideia é redesenhar os vínculos de trabalho no Estado, inclusive com a extinção do Regime Jurídico Único. Contudo, diversos direitos conquistados pelos trabalhadores e trabalhadoras do setor público estão em risco”.
“Ao contrário do que tem sido afirmado pelo governo e seus apoiadores, a reforma administrativa contida na PEC 32/2020 altera e retira direitos e garantias já consagrados para as atuais servidoras e servidores públicos. Talvez a mais importante alteração que consta da PEC 32/2020 é o que se pode chamar de relativização da estabilidade. A estabilidade é regra constitucional e é a maior garantia para a sociedade de que o trabalhador e a trabalhadora poderá desempenhar seu trabalho de forma impessoal, sem se preocupar com qualquer tipo de represália, tendo o mínimo de influências de ordem político-partidária e sem comprometer a missão final de bem atender ao cidadão”, aponta Ana Georgina.
A especialista pontou ainda que “a proposta em análise prevê que os trabalhadores e trabalhadoras do serviço público possam perder seus cargos a partir de uma decisão proferida por órgão judicial colegiado (segunda instância). Essa alteração representa um gravíssimo retrocesso para todos, visto que atualmente a perda do cargo só pode ocorrer após o trânsito em julgado do processo”.
Ana chama atenção para uma situação. “Desde a Constituição de 1934, a hipótese de perda judicial do cargo público somente acontecia depois do trânsito em julgado, o que foi mantido na redação originária da Carta de 1988. Caso a PEC-32 seja aprovada, os servidores e servidoras atuais poderão ser destituídos e destituídas do cargo pela primeira decisão judicial colegiada (proferida por um tribunal), mesmo sendo alto o número de julgamentos favoráveis aos (às) servidores (as) nas últimas instâncias, que corrigem injustiças de decisões colegiadas anteriores”.
De acordo com Ana Georgina, a perda de cargo mediante processo administrativo não sofre alterações na PEC. Todavia, outro dispositivo do texto diz que a perda do cargo pelos trabalhadores efetivo pode se dar a partir de uma avaliação periódica de desempenho, sendo que os critérios dessa avaliação deverão ser definidos em lei ordinária.
“Atualmente, a Constituição determina que lei complementar defina os critérios de avaliação de desempenho dos servidores e das servidoras, mas essa lei ainda não foi editada. O grande risco aqui é a possibilidade de aprovação de uma lei extremamente prejudicial ao conjunto dos servidores, que pode criar mecanismos que facilitem a perda do cargo, por um quórum inferior ao necessário para as mudanças na Constituição ou para a aprovação de uma lei complementar. Como se sabe, enquanto a aprovação de uma lei complementar exige maioria absoluta (que é o primeiro número inteiro superior à metade das cadeiras) em dois turnos de votação na Câmara e no Senado, uma lei ordinária exige apenas a maioria simples dos presentes à sessão, em um turno de votação em cada casa legislativa. Além disso, uma possibilidade não descartada está relacionada aos critérios e metodologias a serem utilizados para efeito da avaliação de desempenho”, disse Ana Georgina.
A segunda parte da entrevista, que continua abordando a PEC 32/2020, estará disponível na próxima terça (11) nos canais oficiais da Fenajud.