Inclusão e acessibilidade no Judiciário: um olhar crítico de quem vivencia os desafios

No Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, celebrado em 3 de dezembro, a Fenajud destaca a urgência de melhorias no Poder Judiciário, trazendo reflexões de quem vivencia os desafios diários, como Leylane Coutinho, servidora do Tribunal de Justiça de Pernambuco e coordenadora de Inclusão e Acessibilidade do Sindjud-PE.

O Brasil possui 18,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que corresponde a 8,9% da população com 2 anos ou mais, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados em 2023. No Judiciário, esse cenário é ainda mais restrito: dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indicam que apenas 1,67% da força de trabalho da justiça brasileira é composta por pessoas com deficiência, totalizando 5.344 servidores. E neste 3 de dezembro, Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, a FENAJUD – Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário nos Estados – chama atenção para os desafios e avanços da inclusão no país, trazendo luz à reflexões como as de Leylane Coutinho, servidora do TJPE e coordenadora de Inclusão e Acessibilidade do Sindjud-PE, que compartilhou sua experiência sobre o tema.

Leylane, que é servidora concursada desde 2011, fez uma avaliação da inclusão e a acessibilidade para pessoas com deficiência no ambiente de trabalho dos tribunais de justiça. Sobre isso, ela aponta que a falta de ações concretas e consistentes evidencia que há um longo caminho a ser percorrido. “Apesar de pequenos avanços nos últimos anos, ainda persistem questões simples de serem resolvidas; como, por exemplo, a necessidade de capacitações, sensibilizações e adaptações que busquem a melhoria da relação com as pessoas com deficiência nos tribunais de justiça. Ainda estamos bem distantes de uma realidade minimamente adequada e inclusiva a esse público.”, avalia.

Quando perguntada sobre os maiores desafios que enfrentou no Tribunal de Justiça de Pernambuco, especialmente no que diz respeito à comunicação e ao suporte necessário para desempenhar suas funções, a servidora aponta que “Inicialmente, considero o diminuto conhecimento de como lidar conosco o maior desafio. Entender que somos sujeitos plenamente capazes de desenvolver atividades com os devidos recursos de acessibilidade tem sido uma barreira que precisa ser superada. Ao mesmo tempo, sentimos que ainda há a percepção de que, por termos uma deficiência, somos totalmente incapazes. Isso é um grande desafio, sobretudo para pessoas cegas e surdas, pois não é fácil encontrar ferramentas que promovam nossa autonomia e nem pessoas que falem Libras.”

Sobre as medidas que os tribunais poderiam adotar para garantir a inclusão verdadeira, tanto no atendimento ao público quanto no suporte aos servidores com deficiência, Leylane sugere uma série de medidas práticas e objetivas:

Crachás acessíveis para todos os servidores;
Sinalização informativa acessível;
Acessibilidade física;
Capacitação contínua de servidores em Libras, Braille e audiodescrição;
Criação de um banco de profissionais especializados;
Acolhimento e acompanhamento de servidores com deficiência;
Abolição da sigla “PCD”, considerada desumanizadora.

Quanto aos profissionais do Judiciário, ela ressalta que “Ainda são poucas as pessoas preparadas para lidar com pessoas com deficiência. Muito disso se deve ao desconhecimento. Percebo que aqueles que demonstram acolhimento geralmente possuem pessoas com deficiência na família ou já tiveram um contato mais próximo com esses sujeitos. Antes de tudo, é preciso compreender que somos pessoas, como qualquer outra, mas que possuímos uma deficiência. Temos plenas condições de desenvolver nossas atividades com os recursos de acessibilidade adequados. Outro ponto essencial é identificar as barreiras atitudinais que dificultam qualquer ação em benefício das pessoas com deficiência.”

A entrevista com Leylane Coutinho reforça a importância de uma abordagem integrada, que combine sensibilização, capacitação e mudanças estruturais, para garantir um ambiente verdadeiramente inclusivo no Judiciário, promovendo autonomia e dignidade para todas as pessoas com deficiência.

Quem é Leylane

Leylane Coutinho, 37 anos, é servidora pública desde 2015 e possui deficiência visual, sendo legalmente cega devido à baixa visão. Formada em Serviço Social, com especialização em Direito Público, ela atua como técnica judiciária no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) e se destaca como professora de Braille e tecnologias assistivas, promovendo inclusão e autonomia para pessoas com deficiência. Sua trajetória inclui posições de liderança na Associação Pernambucana de Cegos, onde contribuiu significativamente para a comunidade.

Criadora de conteúdo digital, Leylane administra canais no YouTube, incluindo o Inclusão em Foco, que aborda temas relacionados à acessibilidade. Mãe de uma menina de 5 anos, que também tem baixa visão, ela concilia a vida pessoal e profissional com dedicação, sendo uma referência na luta por acessibilidade e inclusão.

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