O 8M e a difícil missão de explicar o óbvio

Câmara de vereadores, 08 de março de 2024: Suco, café, salgados, bolo, conversa, risos… a roda de conversa programada já estava em curso e todas estávamos nos divertindo nesse dia tão especial e simbólico.

Algumas mulheres com cargos e atividades de liderança nos mais diversos segmentos no município de Cascavel, oeste do estado do Paraná, foram chamadas para que trouxessem suas experiências, e compartilhassem com as demais presentes, num diálogo aberto.

Ao cumprimentar as cidadãs e, ao microfone, dar abertura ao evento, um homem, ao qual não me dei ao trabalho de buscar sua identidade, dá boas-vindas às presentes, exalta a importância da data, relatando um fato ocorrido naquela manhã:

– “Logo cedo fui a uma escola e entregando uma flor a uma professora, desejei-lhe feliz dia da mulher. A professora foi mal-educada e disse que dia mulher é todo dia!”.

Acrescentou o homem que não ficou bravo, pois acredita que aquela professora provavelmente esteja passando por algum problema e possivelmente “não tivera uma boa noite”… mais meia dúzias de palavras características do macho mediano, se autoexaltando por preferir contratar mulheres, elogiando as com quem convive, que são organizadas, limpam e arrumam a casa, são boas funcionárias, esposas, mães e donas de casa, e precisava sair para entregar mais flores por aí, por conta da data. E se foi.

Organizado pelas únicas vereadoras mulheres da Casa, Professora Liliam (PT/PR) e Beth Leal (Republicanos/PR), representantes da Procuradoria da mulher, a roda de conversa seguiu, aí sim, com as falas das organizadoras e convidadas: produtoras culturais, psicólogas, presidentas de associação de moradores, jornalistas, empresárias, professoras, que trouxeram suas experiências pessoais, acadêmicas e profissionais, falando das dificuldades enfrentadas diariamente em uma sociedade patriarcal que quer limitar o lugar da mulher.

Falamos das conquistas e dos desafios que enfrentamos e, principalmente da necessidade de nos unirmos e juntas avançarmos rumo a uma sociedade livre de qualquer tipo de violência contra meninas e mulheres.

A exemplo de outros espaços políticos, na câmara de vereadores de Cascavel, composta por 21 cadeiras, somente duas são ocupadas por mulheres, após 7 gestões sem parlamentares mulheres. Sabemos que na câmara federal somente 15% das vagas são ocupadas por elas. E por quê?

A fala do homem no inicio do evento nos traz importantes apontamentos para uma resposta plausível, a partir de micromachismos, que nós, mulheres somos sujeitadas no cotidiano. Simplesmente receber, sorrir e agradecer a rosa recebida em virtude de ser uma boa professora, cuidadora e responsável pelos afazeres domésticos era o esperado, porém, ela, grosseira, na sua concepção, ousou sair do seu lugar e desafiar a estrutura…

Não ter uma boa noite, pode induzir a crer que a mulher em questão não teve uma boa companhia masculina no período e, por isso, da resposta “mal-educada” que, convenhamos, disse o óbvio: dia da mulher é todo dia, referindo-se ao direito a ser respeitada, reconhecida e tratada como ser pensante, independente e livre, não somente dia 08 de março de cada ano.

O lugar historicamente estruturado pelo macromachismo reservado às mulheres, sabemos, nos limitou por milhares de anos a uma vida de subserviência, acarretando em cargas excessivas de trabalho, graças a responsabilidades impostas pelas duplas e até triplas jornadas diárias. E como toda imposição, o resultado é a exaustão e o adoecimento, mas, ao mesmo tempo o desejo cada vez mais latente de libertação dessas amarras que tanto nos violenta e mata, basta olhar os índices de feminicídio no Brasil e em todo mundo.

Essa violência de gênero tão presente, tem raízes no modo patriarcal e capitalista, afinal às mulheres é determinado que façam trabalhos que favoreçam e tragam bem-estar aos homens, ao mesmo tempo que não tem remuneração por essas atribuições predominantemente de cuidados. Isso é também um limitador de tempo, afinal, que tempo teria a mulher com esses condicionantes, em se dedicar aos estudos ou a uma campanha política como candidata a uma cadeira parlamentar, por exemplo?

Como podemos refletir, essa estrutura é montada e pensada há milênios e a mudança necessária já está acontecendo, graças à luta delas, por elas. Usar calças compridas, trabalhar fora, viajar sozinha, votar e ser votada, receber herança, licença-maternidade do trabalho, divórcio, uso de contraceptivo, denunciar violências sofridas, são alguns direitos conquistados há menos de cem anos. Muito ainda temos a conquistar. A luta das mulheres por respeito e direitos se dá em todos os espaços, desde lá da escola, quando a professora ensina também o óbvio, até nos espaços de poder, seja no executivo, legislativo ou no judiciário.

Portanto, imprescindível se faz ocupar todos esses espaços, servindo de inspiração e de referência para outras meninas e mulheres e mostrar, de uma vez por todas, que dia da mulher é sim, todos os dias.

 

Arlete Rogoginski

 Coordenadora-geral da Fenajud e Secretária-geral do Sindijus-PR

 

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