Servidores respondem a injusto inquérito administrativo por não terem alcançado metas impostas unilateralmente e a partir de critérios aleatórios.
Os analistas de serviço social e psicologia do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE) têm enfrentado uma série de ataques do próprio órgão. O mais recente, e grave, é um inquérito administrativo movido contra dez destes profissionais. Motivo? Suposto descumprimento de metas de produtividade. Para a direção do Sindijus, o ato desconsidera as especificidades do trabalho qualitativo desses trabalhadores e esconde as falhas de gestão do Tribunal. A assessoria jurídica do sindicato já apresentou a defesa dos trabalhadores sindicalizados e o processo segue em andamento.
Os relatos trazidos pelos analistas ao Sindijus descrevem trabalhadores sob forte estresse, em virtude do grande volume de atividades causado pela demanda reprimida no período de pandemia e pela falta de pessoal, já que último concurso público foi realizado há 8 anos. Soma-se a isso a cobrança de produtividade baseada em critérios meramente estatísticos e aleatórios e à necessidade de criação de mais cargos de analistas de serviço social, psicologia e contabilidade no quadro do Tribunal, o que se comprova pela realização de mutirões e pela contratação “tapa-buraco” de peritos externos.
Entenda o caso
No ano de 2021, o TJSE editou a Portaria Normativa n° 51, na qual foi prevista a imposição de metas de produtividade aos analistas judiciários de serviço social e psicologia. De acordo com os arts. 57-B e 57-D do normativo, o quantitativo mínimo mensal de laudos a serem entregues pelos analistas judiciários de serviço social e psicologia seria definido:
- Por Ato da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe;
- Através de procedimento administrativo próprio, que deverá ser instruído de forma fundamentada.
O primeiro grande problema apresentado na petição de defesa dos analistas judiciários é o da falta de transparência. Até o presente momento, a única informação transmitida aos servidores é uma comunicação realizada por e-mail, através da qual são cobrados dez laudos mensais de cada profissional. Não foram apresentados, no entanto, nem o ato da Presidência do Tribunal, nem o estudo fundamentado das supostas metas, conforme determinado pela Portaria Normativa n° 51/2021.
Outro destaque da petição de defesa é que o TJSE, ao focar na quantidade de laudos, desconsidera as outras atividades desenvolvidas pelos analistas no desempenho de suas funções. Sobre isso, Sonale Ramos, analista de serviço social do Tribunal e coordenadora do Sindijus, afirma: “o nosso fazer profissional não se resume ao laudo. Por que no caso dos outros servidores e dos magistrados o Tribunal contabiliza uma série de atos e, para nós analistas, só considera um?”.
Ainda segundo Sonale, para atuar num caso, um analista precisa “estudar o processo, revisitar a literatura científica do tema, convocar as partes, realizar visitas domiciliares e institucionais, entrevistar, debater o caso com outros colegas, dentre tantos outros atos preliminares. Limitar todo esse conjunto de ferramentas à mera contagem de laudos é injusto e fere a nossa autonomia profissional, assegurada pelas leis que regulam as profissões de serviço social e psicologia”.
A regularidade ética da imposição de metas pelo TJSE também é questionada pelos analistas judiciários. Isso porque o Conselho Regional de Serviço Social (CRESS) e o Conselho Regional de Psicologia (CRP), órgãos competentes para fiscalizar o exercício de ambas as profissões, emitiram notas apontando que a medida adotada pelo TJSE fere a autonomia profissional, principalmente quando os profissionais não são efetivamente ouvidos no processo em que as metas são estipuladas.
Para os analistas de serviço social e psicologia, também falta diálogo por parte da gestão do TJSE. Por diversas vezes, a Coordenadoria de Perícias Judiciais (COPEJUD) foi procurada pelos trabalhadores, com o objetivo de se conhecer o ato da Presidência que supostamente fixou as metas de produtividade – o que nunca foi apresentado – e para se estabelecer um canal de debate em que os profissionais da área, que conhecem as demandas do serviço, fossem ouvidos; isso também não aconteceu.
A coordenadora do Sindijus e analista de psicologia do TJ, Célia Milanez, defende a abertura de diálogo entre a gestão e os analistas, “compreendemos que a imposição de metas aos analistas vem gerando desconforto nesses profissionais e adoecimentos, pelas pressões sofridas. Como agravante, as nossas profissões estão sendo expostas pela gestão por falta de conhecimento da natureza do nosso trabalho”.
Célia finaliza destacando a urgência do debate “as nossas práticas profissionais se alicerçam no acesso das subjetividades dos jurisdicionados, sendo, por sua vez, estas revestidas de mecanismos psicológicos e sociais que precisam ser alcançados e trabalhados a contento, a fim de garantirmos um trabalho ético e condizente ao que se propõe o serviço público. A métrica de produção se opõe a qualidade do nosso trabalho, então o diálogo proposto é o caminho para se equacionar as questões levantadas”.
A petição de defesa dos trabalhadores que respondem ao injusto inquérito administrativo lembra ainda da falta de padronização na gestão do trabalho dos analistas. Até hoje, os relatórios de trabalho vivem na idade da pedra, formulados em documentos word e excel, enquanto os relatórios dos outros cargos são automaticamente gerados pelos sistemas processuais.
As informações solicitadas nesses relatórios arcaicos, ainda segundo os analistas judiciários, são confusas. Não há uniformização dos indicadores e, muitas vezes, são solicitados dados contraditórios, o que se explica pela constante mudança de chefias nos Núcleos de Serviço Social e Psicologia vinculados à Coordenadoria de Perícias do TJSE.
Para o coordenador geral do Sindijus, Jones Ribeiro, esse caos administrativo instalado na gestão do trabalho dos analistas é a causa dessa visão distorcida dos fatos. “Não há como se ter um bom diagnóstico da realidade se nem mesmo os dados são colhidos da maneira devida. E tudo isso piora quando o Tribunal, em vez de corrigir os muitos e graves problemas, terceiriza a culpa para o servidor. Esses trabalhadores que respondem a esse injusto inquérito não estão sós. O sindicato usará de todos os meios possíveis para defendê-los”.
Próximos passos
A próxima fase do processo será a instrução. A entidade notificará os conselhos de classe de Serviço Social e de Psicologia, para que se apurem, eventualmente, o descumprimento das notas técnicas emitidas por parte do Tribunal de Justiça de Sergipe.
Fonte: Sindijus-SE